terça-feira, agosto 31, 2004

Até a Fumaça

Nossa rotina nesse dia começou como sempre: acordar, tomar banho, arrumar a mala, tomar café e deixar o quarto.
A diferença é que naquele dia enfrentaríamos o trecho mais complicado até o momento: a subida até a Cachoeira da Fumaça.

Saímos da Pousada Verde mais ou menos às 09:00 e seguimos para o pé do morro. Antes de começar a subir, paramos na casa de controle da subida e nos registramos. Éramos os primeiros caminhantes do dia e isso nos rendeu uma pequena comemoração e um brinde com água mineral. Não era Perrier, mas valia.
Enquanto brindávamos, vimos várias pás e outros equipamentos meio rudimentares que o pessoal usava para combater os numerosos incêndios daquela época do ano. Deu para ver que a vida daquele povo não era nada fácil já que os incêndios eram praticamente uma instituição local utilizada para renovar os pastos e alimentar o gado.

A tal subida era um pouco pior do que eu imaginava: 2 km de uma verdadeira escadaria natural, com "degraus" dos mais diversos tamanhos, formas e cores. Como era de se esperar, os franceses subiram a uma velocidade alucinante (ao menos para os nossos padrões) e nós ficamos para trás mais vezes do que tenho coragem de registrar.
Ainda bem que eles não eram estressados e entenderam que nossa energia havia terminado no jantar da noite anterior. Naquele momento nós só dependíamos da "raça".

Em um das paradas para água e descanso aproveitamos para curtir a vista do Vale do Capão, uma região no lado oeste do Parque Nacional e que atraía um monte de trilheiros e aventureiros. O Michel nos contou um pouco da história do lugar e ficou empolgado quando mencionou o trekking do Vale do Pati, um pouco mais ao sul de onde estávamos. Só de ouvir a descrição dos cinco (!!!) dias de caminhada, já me deu vontade de voltar ao hotel e me enrolar nas cobertas.
Como isso não era uma opção, botei novamente a mochila nas costas e continuei judiando dos meus joelhos.


O Vale do Capão Posted by Hello

Terminados os dois primeiros quilômetros, a trilha vira uma verdadeira maravilha: poucas ondulações, estrada demarcada e muitas paisagens para alimentar as estórias de trilhas.
Pudemos ver os restos de um incêndio que havia atacado boa parte daquela área e que deveria dar muito trabalho ao povo da brigada lá no posto de controle.

Depois de mais quatro quilômetros, finalmente chegamos ao rio que alimenta a Fumaça e que faz dela a maior queda de água do país. Naquela época do ano, o rio estava praticamente seco e as poucas gotas que despencam do precipício não mereceriam o título de cachoeira.
O curioso disso e que só nessa época é possível atravessar o rio e ter acesso à plataforma de pedra que avança no céu e permite uma das visões mais espetaculares que tive na vida. Quando o rio está cheio, não dá para chegar até o outro lado e o turista tem que se contentar com a fotografia da água caindo.
Acho que foi uma boa troca já que vista lá da plataforma era realmente espetacular.
Para meu nervosismo e inquietude, a minha mineira se apaixonou pela vista da plataforma e não queria mais sair daquele lugar que era até um pouco inclinado para baixo, só para aumentar a sensação de que a distância entre a gente e o chão podia ficar mais curta a qualquer momento.


A vista desde a Cachoeira da Fumaça Posted by Hello

Um almoço de trilha e um papo em inglês sobre música francesa e brasileira depois, lá estávamos nós de mochila nas costas novamente rumo à pousada.
Eu esperava que o caminho de volta fosse mais fácil já que não tínhamos mais tantas ondulações e trecho final seria em descida.
Só Deus sabe como eu estava enganado!
Foram justamente os últimos dois quilômetros que exigiram mais da minha carcaça combalida e dos meus músculos em frangalhos.

Já de volta à pousada, tratamos de descansar, nos refrescar e trocar contatos.
Fiquei de mandar as fotos tanto para o Michel quanto para os franceses e para isso me armei de e-mail e endereços. Acho que vai ser uma ótima recordação.


A Pousada Verde Posted by Hello

Antes de nos levar para Lençóis, o carro que nos pegou no Vale do Capão parou no Morro do Pai Inácio. A idéia era encerrar com chave de ouro aqueles dois dias que ficariam na nossa memória para sempre.
Essa idéia não poderia estar mais certa e meus sonhos não poderiam ser mais modestos em relação à realidade.
A vista que tínhamos à disposição era nada menos que espetacular e nem o vento gelado que teimava em bater lá em cima do morro nos impedia de ficar de boca aberta sempre que mexíamos a cabeça e focávamos outra parte da Chapada.


A Chapada Diamantina Posted by Hello


Mais da Chapada Posted by Hello


O outro lado Posted by Hello

Até mesmo quando o guia local nos contou a estória do nome do morro e a gente ficou sentado durante uns 10 minutos, nossa animação permaneceu alta.
Faltava só o famoso pôr-do-sol, mas o cansaço e o medo de rachar a cabeça descendo do morro sem luz natural nos fez decidir pelo abandono do lugar e pelo rápido retorno a Lençóis.
Antes de descer, uma demonstração da perfeição da natureza ao deparar com uma pedra que era uma réplica quase perfeita do Morro do Camelo, visível ao longe.
A foto foi obrigatória e acho que o efeito funcionou


O camelinho e o camelão Posted by Hello

Acho que todos tínhamos na cabeça a idéia de largar as malas, tomar um banho e dormir até a semana seguinte, mas eu ainda tinha uma missão a cumprir: os franceses haviam saído da pousada e precisavam de um lugar para tomar banho e descansar antes de tomarem o ônibus para Salvador, dali a um par de horas.
Não querendo deixá-los sozinhos, lá fui eu até a pousada para tentar negociar um preço menor apenas para o banho e o sofá.
Como a dona do lugar quis cobrar um preço ainda maior do que o que eles tinham pago por dois dias, tivemos que ir até a casa dos guias da Venturas para buscar ajuda.
Felizmente o clima era de solidariedade e os franceses foram muito bem recebidos.
Me despedi deles, lhes desejei sorte e voltei para casa com a sensação de missão cumprida.

De volta ao Canto da Águas tomei um banho, relaxei um pouco e espereia fome bater.
Quando ela veio forte, resolvemos nos arriscar no Artista das Massas.
Não nos arrependemos pois saboreamos um belo prato ao som do cool jazz de Chet Baker.
A casa permite que os clientes escolham o tipo de jazz que querem ouvir enquanto comem e como não havia mais ninguém lá, nos sentimos os donos do lugar.
O único senão foi o fato deles não venderem cerveja e refrigerante.
Nos satisfezemos à base de chá e suco, mas não reclamamos de nada.

Voltando para casa, decidimos que não valia a pena enfrentar a estrada novamente no dia seguinte. Valia mais a pena passar mais um dia em Lençóis e só começar a voltar quando estivéssemos inteiros.
Era mais um atraso na programação, mas valia a pena.