domingo, setembro 10, 2006

O centro e os protestos


Santiago


Ter passado a vida inteira no Brasil me deixou bastante distante da vida cotidiana do Chile e de todos os efeitos que o golpe causou no povo e na sociedade.
Um desses efeitos foi a "comemoração" que acontece todos os anos e que bagunça o centro de Santiago de uma forma que turista nenhum gostaria de ver.
Mas como nem meu amigo peruano tinha muita idéia da extensão que a bagunça teria, saímos de casa relativamente cedo para passear pelo Centro, comer alguma coisa e, obviamente, tirar um caminhão de fotos.


O mapa do metrô


Pegamos a linha vermelha do metrô na estação Los Leones e fomos no sentido San Pablo até a estação La Moneda, que obviamente ficava ao lado da sede do governo chileno.
Lá tivemos o primeiro contato com o ressentimento dos que não concordaram com o golpe, ressentimento esse que foi demonstrado na forma de quebradeira e vandalismo.


Um efeito do vandalismo


Por conta dos distúrbios do dia anterior, o Palácio e seus arredores estavam fechados, todos protegidos por cercas de metal e carabineros, a Polícia Militar local.
Foi chato por conta do nosso desejo de conhecer o lugar, mas não podíamos fazer nada.
Mais tarde escutamos discussões sobre a participação de baderneiros e ladrões nas manifestações. Eles diziam que esse povo ruim se misturava à multidão para depredar e roubar, enquanto outros gritavam e achavam que estavam fazendo a diferença.
Uma prova de que gente desonesta e malvada existe em todo lugar deste mundão.


La Moneda


Mesmo com um certo receio do que poderia acontecer durante o dia, decidimos seguir nossa caminhada e pegamos o Paseo Ahumada, um calçadão cheio de cafés e lojinhas que nos levava diretamente à Plaza de Armas, o coração da cidade.
Lá visitamos a maravilhosa Catedral Metropolitana, assistismos a uns shows improvisados de música e dança, visitamos algumas barraquinhas de artesanato e seguimos a caminhada rumo ao Rio Mapocho.


A Catedral Metropolitana


Quase na beira do rio fica o famoso Mercado Central de Santiago, uma bela construção ao estilo inglês onde todo turista acaba parando quando procura por comida típica e estrutura poliglota.
Quer dizer, o poliglota aí é meio que exagerado, mas até que os garçons se esforçam e se fazem entender para agradar aos turistas de todas as partes do mundo.

A única coisa que me desagradou no Mercado foi o assédio exagerado do povo do Donde Augusto, um restaurante que já domina quase que metade do lugar. Eles adoram adivinhar de onde o turista vem entre outras técnicas de atração de consumidores.
Meio que por birra, não aceitamos o assédio de nenhum deles e atravessamos todo o Mercado até sairmos por uma porta que dava exatamente para o Rio Mapocho.


O Mercado Central


Lá encontramos um restaurante chamado El Galeón, cujo assédio moderado e instalações curiosas nos chamaram a atenção: ele ficava meio dentro, meio fora do Mercado e nos pareceu simpático.
Como ainda não estávamos com fome, decidimos caminhar até o Centro Cultural Estación Mapocho, uma antiga estação de trens transformada em local para exposições e eventos, onde encontramos uma bela exposição de fotos de uma entidade chamada Oxfam.


O Centro Cultural Estación Mapocho


A idéia da exposição era chamar a atenção para práticas injustas ou prejudiciais de comércio, seja para quem produz, seja para quem consome o produto, e a forma que a Oxfam encontrou para isso foi colocar uma série de famosos em contato com o tal produto e um texto falando sobre quem era prejudicado com a exploração ou comércio irresponsável dele.
Foi um tal de Bono com açúcar, Chris Martin com arroz, Thom Yorke com chocolate e Alanis Morrissette com trigo que não tinha como não chamar a atenção.
A idéia do comércio justo pegou e as imagens ajudaram muito.


Bono no Mapocho



O folder da exposição


A fome já estava apertando quando fomos visitar outra exposição de fotos, ainda dentro do Mapocho. O lugar só tinha a sua entrada aberta à exposições e o pátio interior parecia em reformas ou em limpeza.
Caminhamos um pouco mais e acabamos entrando no Galéon onde enfrentamos, entre outras coisas, um belo mariscal especial e uma gelada garrafa de vinho branco.
Como já esperávamos, o garçom sacou que éramos do Brasil a tempo de pedir que a Minha Mineira se contentasse com um peixe grelhado.
Segundo ele, os brasileiros não costumam se dar bem com os coloridos frutos do Pacífico.
Depois que acabei de comer aquele monte de coisas coloridas, achei que ele tinha um pouco de razão, mas felizmente não sofri nenhum contratempo gastro-intestinal.


Mariscal especial


Alertados pelos garçons sobre alguns tumultos que haviam começado no Cemitério General e que ameaçavam caminhar para o Centro, voltamos por Ahumada e entramos na estação Santa Ana da linha verde do metrô.
Nosso destino era a estação Bellas Artes à partir da qual chegamos ao museu de mesmo nome em poucos minutos.
Infelizmente já era tarde e não valia a pena passear pelos corredores do museu, mas deu para perceber que ele é muito bem montado e que merece um passeio um pouco mais demorado.


O Museu de Belas Artes


Nossa idéia era subir o Cerro San Cristóbal de funicular, pegar o teleférico e caminhar até a casa do meu amigo e para isso nada melhor do que uma gostosa caminhada pelo pequeno e belo Parque Forestal.
O lugar estava cheio das tais "árvores secas", tão amadas pela Minha Mineira, e começava em frente ao Bellas Artes para terminar pertinho de Bella Vista, um bairro tão boêmio quanto a Bela Vista daqui.

Caminhamos um bom tanto, atravessamos o Mapocho, seguimos por Bella Vista até a entrada do funicular, uma construção que lembrava um castelo medieval e que dava acesso tanto ao dito cujo quanto ao zoológico.
Decidimos deixar os bichos para depois e compramos os tíquetes de subida pelo funicular e descida pelo teleférico.


A entrada do funicular



A subida


Depois de uma subida meio amedrontadora pela aparente precariedade do tal funicular, chegamos ao topo do morro onde tivemos uma bela vista de parte da cidade.
A poluição não ajudou muito mas conseguimos ver que Santiago tem uma quantidade de prédios infinitamente inferior à nossa Sampa, e que isso pode ser um belo motivo para se morar por aqui.


Santiago vista de cima


Bem do lado do mirante fica uma escadaria não muito grande que leva até o pé de uma imagem da Virgem da Imaculada Conceição, onde não há como não se sentir mais próximo da Comissão Técnica do Céu.
Ficamos una minutos ali, apreciando a paisagem e, por que não, rezando para que o resto da viagem fosse igualmente sereno e gostoso.


A Virgem da Imaculada Conceição


Seguimos nosso plano à risca e pegamos o teleférico para voltar para casa.
Uma vez lá dentro, pensei em todas as centenas de vezes que meus primos me convenceram a não fazer aquele passeio por ser uma coisa de turistas e me arrependi de não tê-los ignorado.
Não que não fosse mesmo coisa de turistas, mas como era essa mesma a nossa posição na capital dos chilenos, tínhamos mais é que aproveitar um passeio bonito e gostoso como aquele.

Depois do desembarque, caminhamos pela Avenida Pedro de Valdivia até o Rio Mapocho e de lá de volta para a casa do meu amigo.
Uma caminhada agradável de uns 15 minutos que nos levou por ruas arborizadas e limpas, bem ao estilo da nossa moradia ideal.

Uma vez banhados e descansados, resolvemos correr atrás de passeios a estações de esqui (a Minha Mineira venceu mais uma) e tomamos novamente a linha vermelha em Los Leones, sentido Escuela Militar.
Descemos na última estação e caminhamos por uma avenida larga e movimentada (Américo Vespúcio?) até chegarmos a um pequeno centro comercial onde ficavam as lojinhas que vendiam os passeios.
Infelizmente elas estavam fechadas e não conseguimos muita informação além de um desalentador boletim meteorológico informal, cortesia de um tiozinho que trabalhava ali, que dizia que os próximos dias seriam muito ruins para o esqui.

Como não havia muito o que fazer, fizemos o caminho de volta e tomamos de novo a linha vermelha, desta vez rumo à Estación Central, onde meu amigo tentaria conseguir passagens de trem ou de ônibus para Pucón.
Ele e uns amigos haviam esquecido de planejar o feriado e agora estavam desesperados correndo atrás de passagens e hospedagem no Sul.

Novamente não obtivemos sucesso e não nos restava outra coisa a não ser voltar para casa e comer.
As idas e vindas já haviam nos deixado famintos e fomos nos refugiar no bom e honesto Los Insaciables, que ficava no quarteirão ao lado do apê do meu amigo.
Apesar do constante cheiro de cigarro, acabamos comendo bastante bem e só não esticamos a noite por que o povo queria voltar logo para casa com medo dos tumultos que já estavam rolando em outros cantos da cidade.
Isso nos fez lembrar que o dia seguinte seria o aniversário do golpe e que por isso teríamos várias razões para não colocar o nariz para fora de casa.

Gastos do dia:
Metrô - $ 1480,00
Banheiro público - $ 100,00
Água mineral - $ 500,00
Almoço - $ 26140,00
Teleférico/funicular - $ 3400,00
Metrô - $ 1580,00
Jantar - $ 15335,00

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